Prefeitura de Lajeado Grande: cidade gastou 133% da receita própria com a Câmara de Vereadores em 2016.
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Raquel Heidrich / Agencia RBS
Tudo
que 16 cidades catarinenses conseguem arrecadar com impostos em um ano é
insuficiente para bancar suas próprias câmaras de vereadores. Os dados
são de um recorte feito pelo DC com base em um estudo nacional do Sebrae
e da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil
(CACB), que considera a arrecadação dos municípios e exclui as
transferências obrigatórias do governo federal. No país, 706 vivem nesta
situação.
Entre os catarinenses, a pior relação entre receita e
despesa legislativa está em Celso Ramos, cidade de 2,7 mil habitantes no
Planalto Serrano. A Câmara de Vereadores consumiu R$ 603 mil em 2016,
enquanto a receita própria foi de R$ 361 mil. O restante da verba
municipal, R$ 17,8 milhões, veio de transferências. O maior gasto per
capita com vereadores, contudo, foi registrado em Lajeado Grande, no
Oeste, onde cada habitante desembolsou R$ 500 em 2016 para manter o
parlamento local. Questionada, a casa legislativa limitou- se a dizer
que não descumpriu a lei. A Câmara de Celso Ramos foi contatada, mas não
retornou.
Apesar do flagrante desequilíbrio, Lajeado Grande,
Celso Ramos e as outras 14 cidades catarinenses estão dentro da
legalidade. Pela Constituição Federal, o duodécimo, como é chamado o
repasse ao Legislativo, é uma porcentagem da receita total dos
municípios e varia conforme a população. Para cidades com até 100 mil
habitantes, o limite é de 7% sobre a receita – incluindo as
transferências federais obrigatórias. É o caso das cidades catarinenses
que apareceram no levantamento: todas têm menos de 8,8 mil habitantes.
Para
o presidente do Observatório Social do Brasil (OBS), Ney Ribas, essa
forma de calcular o duodécimo – com base na receita total e não na
própria – acaba incentivando despesas maiores. Mesmo assim, é possível
reduzir o valor com pressão popular.
– É comum termos a lei
orçamentária anual (LOA) aprovada com valores superestimados
propositadamente para propiciar uma falsa expectativa de receita e, por
conseguinte, um orçamento irreal. Um exemplo inédito em SC é o de
Tubarão, onde um projeto de iniciativa popular, liderado pelo
Observatório Social, foi acatado e aprovado por unanimidade pela câmara,
reduzindo o duodécimo em 43% (R$ 4,7 milhões) do valor inicialmente
estimado – explica.
Vereadores voluntários
Para
Sebrae e CACB, reduzir o desequilíbrio das contas passa por cortar
gastos legislativos. A proposta dos autores do estudo é que o trabalho
de vereadores deixe de ser remunerado. A maior parte da despesa das
câmaras é com a folha de pagamento, que abocanha, em média, 60% da
verba.
Não
é exatamente uma novidade. No Brasil, em 1967, houve limitação à
remuneração desses parlamentares, e só os das capitais e de cidades com
mais de 100 mil habitantes recebiam salários. Em 1969, o limite mudou
para municípios com mais de 300 mil habitantes. O assunto voltou à pauta
nacional em 2012, quando o ex-senador Cyro Miranda (PSDB-GO) fez uma
proposta de emenda à constituição (PEC) que sugeria o fim do salário
para vereadores de cidades com até 50 mil pessoas. A PEC 35/2012 acabou
arquivada no ano seguinte.
O advogado e doutor em Direito pela USP
Marcelo Machado, que à época defendeu a proposta, acredita que a
autonomia de quem exerce a função sem remuneração é maior.
– Isso é
a metáfora do Brasil: o povo trabalhando e pagando impostos para que o
Estado banque a si próprio. Em outros países, a função de conselheiro
municipal (equivalente a vereador) é uma coisa que fazem de bom grado,
em prol da sociedade – diz.
A câmara de Frei Rogério – a única
entre as 16 que respondeu o questionamento sobre vereadores voluntários –
se declarou favorável à proposta, mas questiona se, com o alto nível de
corrupção do país, a economia chegaria ao cidadão.
Cidades pequenas e dependentes
Na
avaliação do diretor de controle de municípios do Tribunal de Contas do
Estado (TCE-SC), Moisés Hoegenn, o problema é complexo e está mais
concentrado na dificuldade de geração de receitas do que na despesa da
administração, como é o caso do Legislativo. Em geral, diz, são cidades
que já nasceram com esse desequilíbrio, com atividade preponderantemente
agrícola e sem capacidade de arrecadação de impostos municipais, já que
o IPTU, por exemplo, incide sobre o perímetro urbano – que nessas
cidades é pequeno – e o ISS, sobre serviços, que não é o foco da
economia da cidade.
– A situação mais grave é quando o Fundo de
Participação dos Municípios é a principal receita. Não que não possa
haver um enxugamento da despesa da Câmara, mas o efeito que se deseja é
praticamente inviável.
A maioria dessas câmaras são salas ou
espaços dentro das prefeituras, que funcionam só nos dias de sessão, ou
até têm sede própria, mas com um quadro de pessoal não muito extenso. A
possibilidade de reduzir o quadro é pequena. O problema é que
municípios desse tamanho não poderiam existir – afirma Hoegenn.
É
o caso, por exemplo, de Frei Rogério, cidade de atividade agrícola,
onde até o ano passado a câmara funcionava dentro da prefeitura. Lá, o
Legislativo tem um total de quatro funcionários e os vereadores
reduziram os salários de 2016 para este ano, ao passar de R$ 2.051 para
R$ 1.860. Segundo o TCE-SC, há em Santa Catarina 105 cidades com menos
de 5 mil habitantes, nas quais o volume de receita própria varia de 5% a
30% da receita total.
Para o Observatório Social do Brasil, a
sustentabilidade das cidades, inclusive das pequenas, depende de
planejamento e aplicação de ferramentas de gestão e controle, somados a
uma cultura de governança com a participação da sociedade e
fortalecimento dos Conselhos Municipais.
Diário Catarinense