quarta-feira, 3 de junho de 2020

CPI dos respiradores: servidora aponta influência de ex-secretários em compra de R$ 33 milhões

A servidora Márcia Geremias Pauli, superintendente de gestão administrativa da Secretaria de Estado da Saúde no período da compra dos 200 respiradores junto à empresa Veigamed, prestou depoimento na noite desta terça-feira para a CPI que investiga o contrato na Assembleia Legislativa de SC (Alesc).

Em quase três horas e meia de depoimento, Márcia voltou a afirmar que a indicação da empresa Veigamed partiu do então secretário da Casa Civil de SC, Douglas Borba, e que o negócio com a empresa ao valor de R$ 33 milhões foi fechado pelo então secretário da Saúde de SC, Helton Zeferino. De acordo com Márcia, Zeferino negociou com a Veigamed para baixar o valor da proposta de R$ 169 mil para R$ 165 mil por respirador e encaminhar o fechamento do negócio. Zeferino será ouvido pela CPI ainda nesta terça.
– A negociação foi em uma sala dia 26, onde estavam pelo menos cinco pessoas que já relacionamos. O secretário Helton (Zeferino), numa ligação no meu celular, no viva-voz, fechou essa compra ali (com a empresa Veigamed): Era de cento e sessenta e nove, cento e sessenta e sete, centro e sessenta e cinco. “Vamos lá, fica bom para mim, fica bom para ti” (repete fala atribuindo-a a Helton durante a conversa ao telefone). Foi assim que foi feito. Ele (Helton) falou várias vezes com esse senhor Fábio Guasti, não sei todas as conversas que tiveram – afirmou.

Suposta indicação do ex-secretário Douglas Borba

Segundo a servidora, Douglas Borba fez contato com ela em 22 de março depois de o secretário de Saúde ter solicitado ajuda para dar sequência às compras durante a pandemia. Foi nesta data que Borba teria repassado o contato do empresário paulista Fábio Guasti, que conforme a investigação atuou em nome da Veigamed durante todo o processo de compra dos respiradores.

– O secretário Helton disse que estávamos recebendo proposta, que não conseguimos fechar. A dificuldade era EPI, o consumo estava elevado, era a grande dificuldade. Ele então respondeu: a partir de agora vou passar a encaminhar propostas que estou recebendo aqui, pode ter tranquilidade sobre respiradores – afirmou.
Segundo Márcia, Borba ainda teria dito que o secretário da Administração, Jorge Eduardo Tasca, ajudaria nas compras durante a pandemia. Foi depois dessa conversa que teriam iniciado também os contatos com o empresário Fábio Guasti, que representou a Veigamed na compra.
– A apresentação da proposta veio por parte do secretário Douglas (Borba). O senhor Leandro Barros abordou tranquilizando de que não precisávamos ficar preocupados – complementou.
O ex-secretário Borba também será ouvido pela CPI ainda nesta terça-feira.
“Sempre fomos muito tranquilizados com relação a isso (entrega dos equipamentos). Entre 2 e 3 de abril, chamaram alguém para falar sobre entrega, foi quando chegaram o Gil Gerent (morador de Biguaçu que representou a Veigamed em encontro com o governo) e o Leandro (Adriano de Barros) entrou em contato tranquilizando”.

Atuação centralizada e clima de pressão

No início do depoimento, Márcia disse que o clima de trabalho no Centro de Operações de Emergência em Saúde (Coes) durante as primeiras semanas da pandemia era de pressão e que o secretário Helton Zeferino comparava a situação com a de uma guerra.
– A gente ouvia que “Vai morrer muita gente. Precisamos dos equipamentos certos se não vamos matar mais gente do que salvar” – afirmou.
Ela também afirmou que o secretário Douglas Borba pressionou pelo fechamento de compras. Em um áudio enviado por celular, segundo Márcia, ele teria dito que os servidores precisariam “parar com o preciosismo, porque vidas de profissionais e tudo que a gente não está conseguindo entregar aos municípios passam pelas mãos de vocês”, afirmou.
A servidora também disse que se arrependeu de ter ido atuar no Coes e disse que essa atuação centralizada na sede da Defesa Civil “desestabilizou o processo”.
– Tudo isso poderia ter sido evitado se a SGA não tivesse essa interferência ali, nós poderíamos ter evitado, poderia ter outro desfecho – opinou.

Fornecedores na sede do Coes

Ainda segundo o depoimento de Márcia, era comum que fornecedores frequentassem o local de trabalho centralizado na sede da Defesa Civil. Márcia disse que chegou a ser questionada pelo então secretário adjunto da Saúde de SC, André Motta Ribeiro, porque representantes de empresas interessadas em vender produtos para o Estado não teriam sido atendidos por servidores.

O pagamento antecipado feito pelo governo do Estado foi um dos principais assuntos abordados durante o depoimento de Márcia.
A servidora disse que houve 17 processos com pagamento antecipado e que isso teria ocorrido por conta da pressa do Estado em conseguir obter os equipamentos para combate à covid.
Márcia foi questionada pelo deputado Milton Hobus (PSD) sobre por que o Estado não aceitou pagar antecipado pelos respiradores oferecidos pela Intelbras, a preços menores, mas topou adiantar os valores à empresa Veigamed.
A servidora respondeu que partiu dela o documento que recomendava não fazer o pagamento antecipado à Intelbras.
– No momento em que eu fui solicitada a manifestar sobre o pagamento antecipado, eu o fiz. Obviamente, nos outros dois (processos de compra de respiradores), não me perguntaram – afirmou.
Márcia também disse que a atribuição do pagamento caberia à coordenação do Fundo Estadual de Saúde (Cofes), e não ao setor de compra, que ela coordenava na Superintendência de Gestão Administrativa.
Márcia disse desconhecer qualquer recomendação de Douglas Borba de que o pagamento antecipado estaria vedado. Em depoimento, Borba havia dito que informou a Secretaria de Saúde de que o pagamento adiantado não poderia ser feito.

Diferença de preços entre respiradores

Questionada pelo relator da CPI, Ivan Naatz (PL), sobre por que o Estado pagou R$ 165 mil por respirador à empresa Veigamed sendo que já tinha recebido proposta anterior da empresa Intelbras que ofereceu os mesmos equipamentos por cerca de R$ 70 mil, Márcia disse que a diferença no prazo de entrega oferecido por ambas justificou o aceite do Estado pelos respiradores da Veigamed, ainda que a preços maiores.
Os 100 respiradores comprados pela empresa Intelbras não tiveram margem de lucro da empresa catarinense e nem pagamento antecipado – a Intelbras pagou com recursos próprios o fornecedor chinês e tem um termo de compromisso de que o Estado vai fazer o pagamento somente após a entrega desses equipamentos.

Exoneração após as primeiras denúncias

Questionada pelo deputado Fabiano da Luz (PT) sobre qual o motivo da exoneração da servidora, anunciada no dia em que a polêmica compra dos respiradores veio à tona em reportagem do portal The Intercept Brasil, ela disse que a saída dela da função teria sido justificada como forma de “preservação”, mas afirmou que não entende porque isso não ocorreu com outros servidores que participaram do processo.
– Por que eu se, dentro do processo 16 servidores participaram, dentro da coordenação do Fundo Estadual de Saúde três pessoas participaram. O próprio secretário Helton (Zeferino), no momento da abertura da investigação, deveria (ter sido afastado). Nunca tive um PAD (processo administrativo disciplinar) na minha vida profissional. Achei estranho nesse sentido. Se se afasta alguém para sair do circuito, para ter informação, tem que afastar todos que participaram daquele processo. Isso realmente é uma interrogação – afirmou.

Pressão de parlamentar em caso sobre passaporte

A servidora disse que um deputado teria pressionado pela obtenção de um passaporte especial para um empresário que iria viajar à China para obter informações sobre a importação de respiradores, mas disse não se lembrar do nome do parlamentar que teria cobrado agilidade nesse assunto. Ela disse que o registro está no telefone dela, que foi apreendido pela investigação da Polícia Civil e do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC). Claudério Augusto via site NSC Total