segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

'O vovô está dormindo': o povo que vive com parentes mortos em casa



FOTOS: Reprodução via site Yahoo


Pouca gente gosta de falar ou pensar sobre a morte, mas, em uma região da Indonésia, os mortos participam do dia a dia da população.

Um cheiro forte de café inebria o ar dentro de uma sala de estar repleta de painéis de madeira. Vozes ecoam dentro do espaço sem móveis e com apenas alguns quadros pendurados na parede. É um ambiente intimista e acolhedor.

"Como vai seu pai?", pergunta um dos convidados. O humor muda rapidamente. Todos olham para uma cama colorida dentro de um pequeno quarto.

"Ele ainda está doente", responde calmamente a filha dele, Mamak Lisa.

Sorrindo, ela se levanta e caminha em direção ao idoso, e o movimenta gentilmente.

"Pai, temos alguns visitantes para você. Espero que você não fique zangado ou se sinta desconfortável", acrescenta.

Então, ela me convida para entrar no quarto e conhecer Paulo Cirinda.

Os meus olhos estão fixados na cama. Paulo Cirinda está completamente imóvel - e é difícil ver seus olhos por trás dos óculos empoeirados.

A pele dele tem um aspecto áspero e cinzento, perfurada por inúmeros buracos, como se tivesse sido comida por insetos. O resto do corpo está coberto por várias camadas de roupas.

De repente, os netos começam a brincar dentro do quarto - e me forçam a encarar a realidade.

"Por que o vovô está sempre dormindo?", um deles me pergunta com uma risada insolente. "Vovô, acorde e vamos comer", outro grita.

"Shhh…parem de importunar o vovô; ele está dormindo", Mamak Lisa agarra os dois. "Vocês vão deixá-lo zangado".

Ocorre que Paulo Cirinda morreu há 12 anos - mas sua família ainda crê que, de alguma maneira, ele esteja vivo.

Para quem vê de fora, a ideia de manter o corpo de um homem morto em casa parece grotesca.

Mas é uma tradição secular para mais de 1 milhão de pessoas que vivem nessa parte do mundo - a região de Tana Toraja, na ilha de Sulawesi, na Indonésia.

Aqui, os mortos estão muito presentes na vida dos vivos.

Depois que alguém morre, passam-se meses, anos, até que o funeral ocorra. Nesse ínterim, as famílias guardam os corpos em casa e cuidam deles como se estivessem apenas doentes.

Isso inclui levar comida, bebidas e cigarros duas vezes por dia para eles.

Os corpos são limpos e suas roupas trocadas regularmente.

Os mortos têm até um recipiente no canto do quarto para fazer "suas necessidades".

Além disso, nunca são deixados sozinhos e as luzes permanecem acesas quando anoitece.

As famílias temem que, se não cuidarem dos corpos de forma correta, os espíritos podem voltar para assombrá-las.

Tradicionalmente, folhas e ervas especiais são esfregadas no corpo dos mortos para preservá-los. Mas, hoje em dia, muitos usam formol.

O líquido deixa um odor forte no quarto.

Acariciando carinhosamente as maçãs do rosto de seu pai, Mamak Lisa diz que ainda sente uma forte ligação emocional com ele.

"Embora sejamos todos cristãos", explica ela, com a mão sobre o peito, "nossos parentes normalmente vem visitá-lo ou me telefonam para saber como ele está, porque acreditamos que ele pode nos ouvir e ainda está ao redor de nós", acrescenta.

Diferentemente do que eu imaginaria, não me sinto desconfortável com a presença do morto.

Meu próprio pai faleceu há alguns anos, e foi enterrado quase que imediatamente - antes de eu ter tempo de digerir a notícia do que havia acontecido. Ainda não consegui lidar com o meu sofrimento.

Para a minha surpresa, Lisa me diz que ter o pai dela em casa a ajudou a superar o luto.


MATÉRIA PARCIAL VIA SITE YAHOO

Claudério Augusto via site Yahoo