domingo, 24 de junho de 2018

Estudos mostram vulnerabilidades do Aquífero Guarani

 Análises evidenciam possibilidades de contaminação subterrânea por indústrias | Foto: Guilherme Almeida
O Brasil é o país com maior oferta hídrica do mundo. Cerca de 12% da água doce do planeta está aqui e a maior parte dessa disponibilidade, 97%, vem dos subterrâneos. Essa reserva teria capacidade para abastecer a população brasileira pelos próximos 2,5 mil anos. E o Aquífero Guarani, parte dele debaixo de solo gaúcho, é o maior aquífero transfronteiriço do mundo. O uso, entretanto, já se mostra intenso e as instituições vão em busca de mais conhecimento sobre esse “mar” sob o solo.

A Agência Nacional de Águas (ANA), órgão regulador dos recursos hídricos no país, apura vulnerabilidades nos locais de afloramento do Guarani, ou seja, naqueles pontos mais próximos da superfície, por onde a água entra para chegar às profundezas e de onde também sai. Especificamente sobre o Rio Grande do Sul, as primeiras conclusões pedem prevenção e cuidado. A totalidade do levantamento tem previsão de divulgação em agosto, mas os primeiros números adiantados pelo coordenador de Águas Subterrâneas da ANA, Fernando Roberto de Oliveira, já servem como alerta.

“Foram identificados 16.014 empreendimentos pontuais potencialmente contaminantes enquadrados principalmente nas classes de indústria de madeira (4.939), transporte, terminais, depósitos e comércio (2.515) e indústria têxtil, de vestuário, calçados e artefatos de tecidos (2.067) com base no cadastro do Ibama. A distribuição de riscos potenciais por estado mostrou que o Rio Grande do Sul e Santa Catarina são as unidades federativas que reúnem o maior número de empreendimentos potencialmente contaminantes”, detalha o documento.

Também tivemos aqui no Estado redução de 39,7% das áreas de afloramento do Guarani. Adriana Niemeyer Pires Ferreira, especialista em Recursos Hídricos e integrante da equipe de Oliveira, explica que essa redução não significa necessariamente diminuição de água dentro do aquífero. Se a entrada de água diminui, a saída também. E a ocorrência, diz Adriana, pode ser apenas de ordem natural. Quanto às indústrias e à contaminação, Adriana destaca a expressão “potencial” escrita no texto para esclarecer que o documento mostra atividades de empresas com as quais se deve ter cuidado, mas assinala: “Não quer dizer que essas atividades não possam ser desenvolvidas”. Ela lembrou que o documento serve mais como alerta para os Estados quando precisarem conceder licenças a empresas nas regiões do aquífero. A agência reguladora, explica, não está produzindo o material no sentido de reprimir, mas de prevenir e mostrar os “potenciais” riscos.

Em outro trecho, no entanto, as informações despertam preocupação: “Em relação ao perigo de contaminação das águas subterrâneas por fontes pontuais, também apresentou potencial elevado nas cidades de Novo Hamburgo, Gravataí e Sapiranga, com predomínio geral no Estado da classe de perigo reduzido”. Ainda que o levantamento aponte “perigo reduzido” no final da frase quando é citado o Rio Grande do Sul, cidades importantes da região Metropolitana são listadas com potencial elevado de contaminação e são locais de presença forte da indústria.

Quando estiver concluído, em agosto, conforme previsão da agência, o levantamento sobre o Guarani permitirá um banco de dados georreferenciado que será um dos instrumentos de gestão de recursos hídricos previstos na lei federal que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos. Por aqui, o governo do Rio Grande do Sul e a Câmara Técnica de Águas Subterrâneas (CTAS) também trabalham em um levantamento específico para o Estado. Entre outros dados, serão estudados volumes e características das águas, mas principalmente meios de se fazer uma grande campanha de regularização de poços clandestinos, que passariam a funcionar com autorização oficial e dentro de normas que evitariam poluição.
Mapeamento
Um balanço hídrico do Rio Grande do Sul está sendo preparado pela CTAS em conjunto com o governo do Rio Grande do Sul. Deverá informar volumes existentes nas profundezas, quanto se retira, capacidade de vazão, bombeamento e outros detalhes relacionados com o processo que é feito por poços, além de poluição, se também for detectada. Ao termo “balanço hídrico”, o presidente da CTAS, Sérgio Cardoso, prefere outro, e ressalta que o grupo está trabalhando na criação de “uma política de águas subterrâneas”, o que ele afirma ser inédito no Rio Grande do Sul. “Queremos trazer à pauta a discussão em um nível mais elevado”, assinala. O primeiro progresso dessa parceria, explica Cardoso, se deu quando nova legislação regulamentando as águas subterrâneas foi publicada este ano.

O decreto 53.901 de 30 de janeiro de 2018 estabelece, por exemplo, que se uma pessoa física for moradora de área urbana e decidir construir um poço em sua casa, pode até obter licença para isso, mas essa água não poderá ser usada para beber, detalha Cardoso. A autorização para instalação do poço só será dada para atividades como limpeza ou jardim. Água para consumo humano nas cidades, só quando houver gestão de uma companhia de abastecimento.

Detalhamentos e estudos sobre águas de aquíferos se mostram necessários quando se analisam alguns números. A Corsan, por exemplo, atende 317 cidades no Rio Grande do Sul. E grande parte das águas usadas no abastecimento para consumo humano é subterrânea, significando 40% das captações realizadas pela companhia, o que corresponde a 129 municípios. Além disso, em outras 90 cidades, 29%, a situação é mista, água subterrânea e superficial. Nos 31% restantes, 98 municípios, a captação é somente superficial, por meio de rios, lagos ou outros locais na superfície. Se considerarmos as situações de captação subterrânea e mista, temos 219 cidades que se utilizam das águas sob o solo.

É significativo, mas importante ressaltar, conforme lembra o geólogo Maiquel Lunkes, da Corsan, que essa água usada para beber conta com gerenciamento da companhia apenas nas áreas urbanas. Em zonas rurais a situação é outra e os poços muitas vezes são abertos por pessoas físicas, que não procuram os órgãos competentes para obter a licença, o que revela uma outra necessidade no levantamento que a Câmara Técnica está preparando: fazer uma grande campanha de regularização desses poços, o que tornaria mais preciso o levantamento.
Sistema Guarani
Vivemos sobre uma reserva subterrânea gigantesca de água. Além de consumo humano e de animais, que são prioridades, a água é necessária para a indústria e a agricultura. No Brasil, o Sistema Aquífero Guarani é o segundo em volume de água. O primeiro é o Sistema Aquífero Grande Amazônia, com 162 mil quilômetros cúbicos. O Guarani registra 45 mil quilômetros cúbicos de água.

Se medirmos essa extensão em quilômetros quadrados, a área do Guarani alcança outros três países além do Brasil, mas é aqui que está a maior parte, segundo informa o Ministério do Meio Ambiente. Temos 840 mil quilômetros quadrados contra 225 mil na Argentina, 71,7 mil no Paraguai e outros 58,5 mil no Uruguai.

No Brasil, a água subterrânea passa por oito estados e o Rio Grande do Sul tem a segunda maior extensão no país: 157,6 mil quilômetros quadrados, atrás apenas do Mato Grosso do Sul, com 213,2 mil. O tamanho do aquífero em terras gaúchas é superior ao registrado no Uruguai e no Paraguai juntos. Os demais estados brasileiros localizados sobre o aquífero são Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais.   





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